27 April, 2009

ensaio para um conto..#2

Um artista que morre na fome da sua adversidade, respira com brevidade, e com um pequeno ardor no peito.

Coração que não transpira a coragem do ser que o faz, é de criador dotado de desgraça.

Inclinado sobre a ponte, oscila lentamente, entre a certeza consciente, e o gesto provocador do termo. Ali está. A correnteza não o intimida, o rio sussurra algo que não se pode representar, mas que não o satisfaz. Uma jovem passa. O artista, nada diz. Nada faz. Transfigura o seu diminuto mundo, no centro do seu universo, e calmamente levanta a cabeça, estica o pescoço por entre a obscuridade do pó. O seu olhar torna-se uma lente de alta definição, onde vislumbra todos os pontos cardeais de uma só vez.

Inclina-se para trás, e cai no passeio.

Por ele passa uma extensa massa de pernas, calças, sapatos de cores garridas. Revira o olhar, e no seu estado horizontal, consegue absorver na totalidade o seu amargo destino.

A humidade do pavimento, o ruído dos carros, o sol que o funde.

Uma mão se amplia, içando-o fortemente para a sua presença. Na sua inerente condição, o artista sente-se moribundo, agradece a ajuda, mas declina a sua determinação de ser ajudado por um estranho. Embriagado pelo que o rodeia, encosta-se no corrimão que o separa do rio, e ali se agarra. Contemplando as pessoas que o ignoram, fechadas na sua própria aparência, caem mudas no seu vigilante quotidiano. O artista assim as vê, assim as pinta mentalmente. Como sombras. Como fantasmas planos, absolutos, intensos e afoitos.

O suor não o amedronta, liberta um lenço alvo na cabeça, para se abrigar das gotículas que palmilham o seu rosto, e para que ali se sepultem. Na fibra, no lenço.

Fecha os olhos, reintegra-se na sua condição humana, lembra-se do seu estado físico, mas de nada mais se recorda.

Não sabe o que faz ali, nem sabe qual o seu nome. Não sabe se tem família, amigos, colegas, ou mesmo animais de estimação. Não sabe quase nada de si, apenas sabe, que é um artista. Não tem para onde ir, não tem o que criar, não sabe nada do que o rodeia, e nem se importa em saber.

A solidão emerge na pele do seu corpo, mistura-se no suor, e encharca as roupas que o vestem. Um aroma de tristeza liberta-se no ar, e o artista sente-se novamente perdido. Volta as costas para o que vê, agarra o corrimão com as suas mãos trémulas, mas vigorosas, e olha para o rio… Não resiste, e num impulso profundo, salta…Na sua queda, curta e breve, lembra-se de tudo o que se havia esquecido, e antes de se quedar morto no leito do rio, solta um grito, onde liberta toda a sua existência.

Naquele instante, as pessoas, os carros, os prédios, as nuvens, os cheiros, o pó, a humidade, o sol, tudo desaparece, e revela-se o vazio. A consciência determina-se em si.

E no mergulhar do seu fim, tudo volta a existir infinitamente.. até o corpo de um artista, que se arrasta no rio.

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